Foto: Editoria de Arte

A volta de doenças como o sarampo evidencia o quanto é difícil tirar uma doença de circulação, afirmam especialistas
Febre seguida de tosse e mais alguns espirros. Poucos dias depois, a pele começa a exibir manchas avermelhadas por toda a parte. Estes foram os sinais que 481 famílias brasileiras notaram em crianças e adolescentes de 0 a 14 anos ao longo do ano passado. A causa do desconforto dos meninos e meninas tem nome: sarampo.
Doença altamente transmissível que chegou a ser varrida do país por um curto período, emplacou um retorno ruidoso, com direito a surtos, centenas de casos e lamentáveis mortes. Em 2021 foram duas vítimas.
A volta do sarampo evidencia o quanto é difícil tirar uma doença de circulação. O país, explica Carla Domingues, ex-coordenadora do Programa Nacional de Imunizações, teve desde 1992 uma estratégia em curso para eliminar a doença.
— Até 2015, os casos eram pontuais, chamados de importados. As pessoas tinham a doença, chegavam ao Brasil, mas a transmissão local não ocorria. Com a diminuição da cobertura vacinal, criou-se condições para que a doença voltasse a circular — diz.
O local e o global
Embora convenha observar a doença com especial cautela no Brasil — afinal, a situação epidemiológica nos afeta diretamente — , o trabalho de erradicação (quer dizer, o fim definitivo) de uma doença ultrapassa as fronteiras nacionais e requer um esforço coordenado mundialmente. Para se ter uma ideia da complexidade da missão, somente uma infecção em toda a história teve este fim: a varíola.
Erradicada do mundo em 1980, a doença teve o fim decretado após o sucesso de programas de rastreio e vacinação. Um dos mais importantes foi lançado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), em 1967, ao custo de US$ 300 milhões .
Os ganhos, contudo, são inestimáveis do ponto de vista da saúde pública por conterem um único raciocínio: nunca mais existir a preocupação com essa doença. Mas também é possível pôr na ponta do lápis o tamanho dessa conquista. A mesma OMS avalia que o fim da varíola levou à economia de 1 bilhão de dólares anuais que seriam gastos na lida com a doença.
Se antes já não era fácil chegar a um ponto em que dava para sonhar em livrar o mundo de uma enfermidade, agora ficou ainda mais complicado. O avanço da Covid-19 comprometeu campanhas de vacinação, assim como funcionou como uma indesejável primavera para o fortalecimento de grupos antivacina.
— Quando a pessoa deixa de acreditar em uma vacina, causa prejuízo nas demais. Minha primeira percepção é que teremos impacto (desses discursos) — afirmou Meiruze Freitas, diretora da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) .
Em várias partes do mundo, ainda há ainda conflitos locais que emperram a chegada de uma vacinação total e irrestrita à população de maneira generalizada.
Na mira
Apesar dos problemas, pelo menos duas doenças continuam a figurar como candidatas a desaparecer: a poliomielite e o sarampo.
— Há uma oportunidade muito real de erradicar a pólio de uma vez por todas, mas isso somente se os esforços forem sustentados — afirmou ao GLOBO o porta-voz da OMS sobre o tema, Oliver Rosenbauer.
De acordo com o especialista, se a imunização geral for concluída “o vírus não terá onde se esconder, pois só sobrevive em humanos, e sua circulação será interrompida”.
— O problema é que o trabalho de vacinação é boicotado por conflitos, além de questões políticas e religiosas. Não basta ter vacina segura, eficaz e disponível, há outros aspectos que complicam a questão — afirma Juarez Cunha, presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm).
Por ser considerada endêmica no Paquistão e no Afeganistão, a doença exige que autoridades sanitárias de diferentes partes, do Brasil inclusive, não afrouxem as coberturas vacinais. Por aqui, infelizmente, o trabalho tem deixado a desejar.
Abrir mão das aplicações de vacina contra a poliomielite — os índices de crianças imunizadas no Brasil caíram de 98% para 76% entre 2015 e 2020 — dá brecha para a chegada de uma doença capaz de causar sequelas permanentes, dolorosas e debilitantes.
O próprio Ministério da Saúde enumera seus efeitos: atrofia da fala, dificuldade para falar, paralisia das pernas e dos músculos da deglutição, entre outros graves problemas.
— Não é brincadeira. Precisamos aumentar essa cobertura. Caso contrário, ainda falaremos muito de pólio no Brasil. É uma doença muito triste — diz Luiza Helena Falleiros, presidente da Câmara Técnica de Certificação da Erradicação da Poliomielite no Brasil junto à Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS). Meiruze Freitas, da Anvisa, faz coro e vê uma certa “acomodação” para que a vacinação tenha desacelerado desta forma no país nos últimos anos.
Para além do Brasil, o avanço da vacinação da pólio no mundo também foi impactado pela disseminação da Covid-19. Nos estágios iniciais da pandemia, por exemplo, a vacinação chegou a ser suspensa em regiões da África .
A outra frente
A jornada hérculea para tirar o sarampo do mapa também foi afetado nos últimos meses. Embora as medidas de distanciamento e uso de máscaras — fundamentais para brecar a Covid-19 — também beneficiem o controle do sarampo, a imunização contra a doença foi nocauteada neste período.
De acordo com a OMS, mais de 22 milhões de crianças ficaram sem a primeira dose de imunizantes para esse mal, globalmente. O número é superior ao de 2019 em 3 milhões. A entidade estima que a cobertura vacinal contra o sarampo paire em 70% em todo o planeta, quando o patamar desejável é de 95%.
Para encerrar de vez a transmissão da doença, há um programa global em andamento que prevê sua erradicação junto à rubéola — atualmente eliminada no Brasil — capitaneado pela mesma OMS, junto à organizações como o Centro de Controle de Doenças (CDC) estadunidense. Por enquanto, 81 países conseguiram manter-se longe do vírus do sarampo. O caminho ainda é longo.
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