Foto: MAE-USP/André Strauss/Wikimedia Commons/CC BY-SA 4.0

Cientistas constataram padrões de ocupação humana em Minas Gerais que mostram regiões no centro e no norte do Estado sendo esvaziadas e reocupadas tempos depois.
- Iniciada há cerca de 11,5 mil anos, a atual época geológica da Terra – Holoceno – é marcada por instabilidades climáticas que produziram uma lacuna nos sinais arqueológicos de ocupação humana
- Chamado de “hiato do arcaico”, a ausência de remanescentes humanos em partes do Brasil era atribuída a períodos prolongados de seca
- Estudo da USP revela “dança das cadeiras” de populações humanas antigas, que abandonavam áreas atingidas por mudanças climáticas rápidas e depois as reocupavam
No início da fase atual da história da Terra, também conhecida como período quaternário da era Cenozoica, o planeta saía de uma era do gelo e passava por um aumento das temperaturas médias globais, favorecendo o desenvolvimento das populações humanas e levando a uma maior diversidade de habitats. No entanto, esta evolução foi acompanhada por instabilidades ambientais e eventos climáticos extremos e abruptos, que poderiam causar colapsos de grandes lagos glaciais, aumento de atividade vulcânica e megasecas.
O impacto de tais mudanças climáticas afetou a dinâmica de ocupação e a dispersão das populações humanas antigas, com despovoamento de grandes áreas que não mostram sinais de presença humana entre 8 mil e 4 mil anos antes do presente em diversas regiões da porção oriental da América do Sul – o Brasil de hoje. O fenômeno é chamado de hiato do Arcaico.
“Uma região pode ter uma quantidade enorme de sítios arqueológicos, mas metade deles têm idades entre 10 mil e 8 mil anos, e a outra metade entre 4 mil e 2 mil anos. Ou seja, se viajássemos na ‘máquina do tempo’ veríamos a região cheia de gente, depois vazia, e depois cheia de novo”, explica Astolfo Gomes de Mello Araujo, professor do Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE) da USP e coordenador do Laboratório Interdisciplinar de Pesquisas em Evolução, Cultura e Meio Ambiente (Levoc).
A baixa frequência de sítios em regiões da América do Sul durante o Holoceno médio até então era atribuída ao aumento dos períodos de seca. Mas novos dados indicam que este hiato está mais relacionado ao RCC (do inglês Rapid Climate Changes), um fenômeno de mudanças climáticas extremas que afetam intensamente os seres humanos em intervalos muito curtos de tempo.
Os achados foram publicados por pesquisadores da USP e da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, e também indicam que as áreas afetadas pelo despovoamento durante o Holoceno médio são mais extensas do que se pensava anteriormente, incluindo regiões no Brasil Central, partes da Amazônia e do Pantanal, próximo à fronteira com a Bolívia.
“Mas os dados são ainda mais visíveis em Minas Gerais (MG), porque é uma região do Brasil com uma quantidade muito maior de dados arqueológicos e paleoambientais. Os padrões são tão bonitos e marcados que parecem feitos para material didático: a região de Lagoa Santa, no centro de MG, tem um padrão de ocupação humana diametralmente oposto ao da região norte de MG. É uma verdadeira ‘dança das cadeiras’”, destaca Araujo, que é primeiro autor do artigo.
“Nossos dados sugerem que a opção preferencial das pessoas sujeitas a esses regimes climáticos malucos não é se adaptar no sentido de ficar tentando loucamente novas maneiras de viver em um clima desfavorável, mas simplesmente mudar de território, continuar fazendo o que elas sempre fizeram, mas em um local diferente”, diz.
Mercedes Okumura, coordenadora do Laboratório de Estudos Evolutivos Humanos (LEEH) e professora do Instituto de Biociências (IB), ambos da USP, lembra que esses grupos humanos estudados, especialmente populações de caçadores-coletores, não eram nômades. “É importante pensar que esses grupos têm um território. E dentro desse território, dependendo da sazonalidade, eles vão explorar recursos diferentes para fazer diferentes usos do local”, pondera. “Se o ambiente está duro, tem muita instabilidade, esses humanos vão sair de lá. Mas não significa que eles foram dizimados.”
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