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opinião Segunda-feira, 30 de Maio de 2022, 09:55 - A | A

Segunda-feira, 30 de Maio de 2022, 09h:55 - A | A

UM RESGATE PRA HISTÓRIA

REVIVENCIANDO A CULTURA BAKAIRI    

*Magno Amaldo da Silva

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Neste último sábado, dia 28 de maio, aconteceu a revitalização de um dos maiores e mais importantes rituais do povo Kurâ-Bakairi, o TADÂWAN, ritual que simboliza o casamento do povo Bakairi, entoado pelas flautas mágicas.

 

Segundo a mitologia Bakairi, as flautas de taquara denominadas de TADÂWAN, foram criadas para realização do primeiro casamento da história Bakairi, o casamento entre os irmãos onças (Udodo) e as mulheres Bakairi (pekodo mondo), filhas de Kuamoty, selando uma paz e uma aliança matrimonial entre Kuamoty e os guerreiros caçadores (as onças pintadas), os inimigos dos primeiros seres da Terra.  

 

Conforme as histórias dos antepassados do povo Bakairi, contadas e repassadas de geração para geração, eles afirmam que Kuamoty quando estava na mata, retirando seda de tucum, viu-se cercado pelas onças caçadoras. Para não ser devorado, Kuamoty negociou uma aliança, salvando sua vida e prometendo, em troca, suas filhas em casamento aos irmãos udodo (onças).

 

Desse modo, por interesse nas mulheres, Ikiumani (líder das onças) cedeu a proposta de Kuamoty, estabelecendo assim uma aliança que seria concretizada com sendo o primeiro casamento da história Bakairi.  

 

No entanto, Kuamoty não tinha filhas!

 

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Mas, por se tratar de um Ser Supremo, reconhecido e chamado pelos Bakairi de Deus, confeccionou com madeira, os corpos de suas filhas e assoprando ar em seus corpos, deu alma e vida à elas.

 

Foram várias tentativas, até chegar a mais perfeita criação, cinco lindas mulheres que deram os nomes de Ihogue; Âpanomagalo; Axumbanalo; Numaiakaniru (ou Yukamaniru) e Ereiru – esses nomes variam conforme a fonte, pois cada família tem uma história, cada história tem suas versões e cada versão preserva os seus heróis.  

 

Conta a lenda que no tempo determinado, todas a “pessoas” (seres), de todas as aldeias chegaram para a cerimônia. Primeiro foram as corujas (munguto), depois os lobos (poroho), em seguida as ariranhas (saro) e por último os irmãos onças, liderados por Ikiumani.

 

Todos entoavam seus próprios cantos, mas quando os irmãos onças chegaram, foi impressionante. Chegaram caracterizados com suas pinturas e adornos em seus corpos tocando as flautas mágicas – TADÂWAN.

 

Eram muito fortes e gigantescos, medindo quase dois metros de altura. Dançaram em forma circular, enfileirados e batendo os pés no chão, acompanhados dos sons de chocalhos de caroço de pequi.

 

O conjunto harmonioso desses sons, somados ao o som extraído das taquaras, transformaram em música da onça, dando assim a existência do TADÂWAN.  

 

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Dentro da casa, as mulheres prometidas em casamento, aguardavam ansiosas a chegada de seus noivos.

 

Ao sinal de Kuamoty, os irmãos onças entram na casa e quando as filhas, uma a uma, tocam os ombros das onças, o ritual do casamento estava selado e a música de TADÂWAN se misturava ao ritual de casamento.  

 

Assim se deu origem ao TADÂWAN, no casamento das filhas de Kuamoty com os irmãos onça.

 

Esse ritual manteve-se vivo até o final da década de 1940, quando o governo, através do órgão tutor SPI – Serviço de Proteção ao Índio – proibiu as manifestações culturais dentro do território.

 

Como a Terra Indígena Bakairi, funcionava como “posto de atração”, conviviam diferentes povos indígenas, principalmente os povos alto-xinguano e em particular os irmãos Kuikuro, na pessoa do saudoso líder NárruKuikuro e TilipeKuikuro (o índio albino) que muitos suspeitavam ser filho do Coronel Falwcet.

 

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 Cacique Genivaldo Geronimo

 

Após longo período de convivência, ao regressarem para suas terras, levaram com eles a técnica de confecção e conhecimento das músicas do Tadâwan.

 

Com o passar dos anos, após várias décadas, o povo Bakairi deixou de praticar esse ritual e acabou por esquecer a confecção das flautas e o modo especial de como tocar. Porém, o povo Kuikuro não só conseguiu reproduzir as práticas ao longo dos anos, como também ensinou os demais povos do atual Xingu.  

 

O povo Bakairi manteve o sonho de retomar essa prática cultural.

 

No início dos anos 1990, o senhor Odil Apacano foi ao Xingu e trouxe exemplares das flautas numa tentativa de recuperação cultural, mas devido a questões internas não obteve bons resultados.

 

Em 2015, o jovem Bruno Maiuca, teve na Aldeia Ipatse, do povo Kuikuro, de onde trouxe outros exemplares, porém precisava reaprender a tocar.

 

Foi então que surgiu a ideia de trazer membros xinguanos para repassar ao povo Bakairi as técnicas de confecção e de como tocar, um verdadeiro intercâmbio cultural.

 

Através das amizades criadas pelo jovem Bruno, obteve-se a visita de dois irmãos xinguanos: Talyco Kalapalo e YamaluiKuikuro, que não somente ensinaram os jovens Bakairi, como fizeram uma entrega simbólica das flautas, dizendo e reconhecendo que as flautas são do povo Bakairi, que eles eram apenas guardiões.

 

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Também explicaram que realizam belas e grandiosas festas, mas não sabem a história de origem e que na data de hoje (28/05)  estariam realizando a entrega simbólica das flautas TADÂWAN.  

 

Essa entrega foi realizada através de uma grande festa cultural, reunindo toda a comunidade da Aldeia Pakuera, seu cacique Genivaldo Poiure e visitantes governamentais, como o vereador municipal Edson Agripino e o Secretário Adjunto da Secretaria Estadual de Agricultura Familiar, Clóvis Figueiredo.

 

Esse foi sem dúvidas um marco na história do povo indígena da Aldeia Pakuera, a capital do povo Bakairi.    

 

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*Magno Amaldo da Silva (com câmera fotográfica), professor Bakairi, Graduado em Economia e Matemática, pós graduação em Educação Escolar Indígena e em Educação Ambiental.

 

 

 

 

 *Os artigos são de responsabilidade seus autores e não representam a opinião do Mídia Hoje.

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Estevinho Taukane 31/05/2022

Conheço um Cientista Social Kurâ Bakairi chamado Eric Kamikiawa graduado na UFMT que tem um livro publicado a respeito das flautas Tadâwan. Que por sinal me deixou encantado ao ler tamanha desenvoltura descritiva fundamentadas em sua vivência sociocultural ( por ser nascido e criado na cultura Kurâ Bakairi ) a luz da fundamentação antropológica que o autor traz à leitura. Eu por ser professor indígena o que me despertou e me cativou foi a perspectiva de que a obra do Cientista Social Eric Kamikiawa tem para as novas gerações Kurâ Bakairi, servindo como subsídios que fortaleçam ações e promoções de fortalecimento étnico do povo Kurâ Bakairi. Neste contexto o livro tem um potencial de ser um referencial para os processos pedagógicos de formações e atuações junto aos alunos indígenas e demais jovens Kurâ que queiram se inteirar sobre o conceito do simbólico e do sagrado e da performance ritual-musical e cosmológico que fundamentam a Flauta Tadâwan.

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