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opinião Sexta-feira, 18 de Março de 2022, 07:00 - A | A

Sexta-feira, 18 de Março de 2022, 07h:00 - A | A

OPINIÃO

Por que exigir comprovante de vacinação?

*ANDRÉ L. RIBEIRO-LACERDA

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Os números têm mudado a cada dia, mas a grande maioria das universidades federais promete exigir o comprovante de vacinação de professores, estudantes, técnicos-administrativos e provavelmente de todos aqueles que prestam serviço ou frequentam as universidades por outros motivos que não os de serem membros permanentes da comunidade universitária. Como será feita a exigência em relação aos não membros da comunidade universitária é uma questão interessante. Exigirá uma logística inteligente para que nenhum frequentador entre sem ser devidamente identificado e cobrado. Um sistema de controle mais eficiente do que os que a Universidade Federal de Mato Grosso, por exemplo, possui hoje.            

 

Não discutirei questões técnicas relacionadas às vacinas nem a dimensão jurídica da implementação da exigência do comprovante de vacinação. Creio que, nesse momento, é possível fazer uma discussão com mais serenidade. Abordarei algumas contradições em relação a implementação da exigência do comprovante e sua provável baixa efetividade em um Brasil que tem voltado a normalidade e em que os espaços sociais estão flexibilizando até mesmo o uso de máscaras.            

 

Os processos sociais de vacinações de modo geral podem ser vistos como um pacto coletivo.

 

O objetivo é que as pessoas se imunizem não apenas para si protegerem, mas para impedir que a doença chegue a quem não se vacinou, já que há muitos grupos nominais - indivíduos que partilham uma característica comum – não podem se vacinar em relação a covid e a outras doenças. Fundamentalmente, pode-se mencionar gestantes, crianças, idosos ou pessoas alérgicas a determinados componentes das vacinas.            

 

Muitos desses indivíduos têm se organizado em termos de ação coletiva, de um grupo latente, ou seja, para defender seus interesses comuns. E qual é o interesse comum? Evitar a implementação da exigência do comprovante vacinal.

 

Nesse grupo existem indivíduos com os mais diferentes perfis:(1) indivíduos que estão vacinados e indivíduos que  estão com vacinação incompleta, mas que são contra a exigência do comprovante de vacina porque acreditam que o ato de vacinar-se não pode ser uma imposição; (2) indivíduos que estão com o esquema vacinal incompleto e não querem completá-lo por causa das sequelas que a vacina potencialmente pode provocar; (3) indivíduos que não se vacinaram porque são contra qualquer tipo de vacina; (4) indivíduos que não se vacinaram porque são contra essa vacina.

 

Já é possível saber que os motivos dos indivíduos são os mais diversos e que merecem uma compreensão em termos de discussão pública. As sequelas provocadas pela vacina são um motivo mais do que razoável. Algumas pessoas têm parentes ou amigos que tiveram sequelas e isso as deixam com medo. O argumento de que esses casos são insignificantes, estatisticamente falando, não acalmam o indivíduo que conhece alguém que morreu, teve miocardite, trombose ou outro tipo de sequela.            

 

Alguns defensores da exigência do comprovante vacinal argumentam que a iniciativa é um estímulo à ampla imunização da população contra a doença. O argumento sugere boas intenções, mas acontece que existem outras formas mais efetivas de se provocar esse “estímulo” ao invés de se criar mecanismos de discriminação.

 

Estudantes que não apresentarem comprovantes de vacina estarão alijados da vida acadêmica. Depois de dois anos de estudo por via remota, eles não poderão participar da vida acadêmica presencial.

 

Eles participam de outras esferas da vida social. Podem ir a um hospital, podem acompanhar parentes a escolas de ensino básico ou médio, podem ir a restaurantes, shopping centers, mas não poderão entrar na universidade.

 

Todos os espaços sociais são demarcados, mas suas exigências têm outro estatuto. Um dos últimos espaços a se abrir na pandemia serão as universidades, mas elas continuarão fechadas para parte de sua comunidade e para muitos indivíduos externos a ela.

 

Dois problemas parecem questionar o estatuto de pacto coletivo da exigência do comprovante vacinal – a institucionalização do seu sistema de controle e a redução das restrições que tem ocorrido por todo o Brasil. Além de criar um mecanismo que discrimina os indivíduos, o sistema de controle que fundamenta a exigência do comprovante de vacinação pressupõe, no caso da UFMT, um espaço fechado, coisa que ela não é.  

 

Dentro da universidade circulam diversos tipos de pessoas: vendedores ambulantes, pais e familiares de alunos, moradores de ruas que frequentam os banheiros do Instituto de Ciências Humanas (ICHS), por exemplo, e prestadores de serviço que vão entregar desde buquês de flores a lanches.

Você exige comprovante de vacinação quando alguém vai prestar serviço em sua casa? Quando recebe algum amigo ou parente? Quando entra em supermercados, hospitais e lojas de shopping? Quando chama um Uber ou táxi? Quando vai ao restaurante?

Quem exigirá o comprovante vacinal dessas pessoas? Professores? Técnico-administrativos? Os seguranças que fazem vigília patrimonial? E se algum desses indivíduos se negar a apresentar o documento, o que será feito? Como se dará a operacionalização do controle? Os prédios ficarão fechados e averiguadores estarão presentes nas entradas?

 

Outro possível problema é que a exigência do comprovante vacinal pode desencadear em certos indivíduos a ideia de que ele está imunizado biológica e socialmente e, portanto, ele não precisa usar máscaras. “Eu frequento vários espaços sociais fechados que não exigem comprovante vacinal. Espaços que estão funcionando presencialmente há bem mais tempo que as universidades. Lá basta a máscara, por que aqui é necessário os dois?” O que dizer a esse estudante?            

 

A redução das restrições no Brasil é um problema mais sério ainda. Em vários estados e cidades a exigência da máscara em lugares abertos foi revogada e em alguns, como no caso do Rio de Janeiro, o governo estadual permitiu que os municípios flexibilizassem as regras também para espaços fechados. A assembleia legislativa de Mato Grosso aprovou projeto de lei que proíbe exigência de comprovante de vacinação em Mato Grosso.

 

Por que na UFMT deve vigorar regras tão diferentes de todos os outros espaços sociais?            

 

É importante buscar um bom senso entre interesses coletivos e interesses individuais. Não se trata de negar a efetividade das vacinas, mas de impedir que gestores municipais e estaduais submetam trabalhadores à cassação de seus “direitos trabalhistas” e estudantes, professores, técnicos-administrativos e qualquer outro cidadão que necessite entrar nas universidades federais a constrangimentos ilegais.

 

O atual estágio de vacinação e o uso de máscaras, de álcool gel e certo distanciamento social têm permitido que pouco a pouco a vida social volte à normalidade, coisa que ainda não aconteceu nas universidades federais. Parece haver uma falta de sintonia entre o momento de retorno às atividades presenciais e as exigências apresentadas pelas universidades federais. Se tivessem voltado ao trabalho presencial há mais tempo, talvez certos membros da comunidade universitária percebessem o exagero da medida que estão propondo.            

 

Parece-me desnecessário recorrer a argumentos jurídicos e de saúde pública para mostrar que a exigência do comprovante de vacinação é uma ação destinada a provocar mais problemas do que apresentar soluções.

 

Você exige comprovante de vacinação quando alguém vai prestar serviço em sua casa? Quando recebe algum amigo ou parente? Quando entra em supermercados, hospitais e lojas de shopping? Quando chama um Uber ou táxi? Quando vai ao restaurante?

 

Provavelmente não.

 

Pois é, pense nisso quando for apoiar a exigência do comprovante de vacinação.  

 

*André L. Ribeiro Lacerda – Sociobiólogo, psicólogo e professor de sociologia na UFMT, campus de Cuiabá-MT.

 *Os artigos são de responsabilidade seus autores e não representam a opinião do Mídia Hoje.

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Adriana Santini 21/03/2022

Excelente reflexão! É muito triste perceber que na contramão da modernidade nos deparamos com a privação da nossa liberdade.

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Alexandra 21/03/2022

Excelente reflexão!!

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Haroldo Porto 21/03/2022

Excelente texto! É inacreditavel que hoje em dia precisa-se de (muita) coragem para dizer verdades que contrariam interesses, sabe-se lá o motivo (na verdade a gente sabe) de determinados seguimentos. Essa gente, os chamados Corona lovers, que antes se diziam seguidores da ciência qndo era para trancar as pessoas em casa, hoje em dia se recusa a ouvir a própria ciencia e observar a realidade ao seu entorno) , que mostra que não vivemos mais uma pandemia. Sou vacinado, mas apoio o direito de quem não quer se vacinar ou não quer tomar todas as doses. Se vc quer tomar 3, 4 ou 20 doses, tome e não encha o saco daqueles que são livres (por enquanto) para fazer suas escolhas.

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Viviene 21/03/2022

Parabens pelo texot professor. Fico emocionada de ver qua ainda temos gente lucida nas UNIVERSIDADES. Universidades tomadas por pessoas que nao estudam e nao produzem mais nada, vivem atras de dividir a sociedade e implantar a ideologia imbecilizante da esquerda.

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Walter 19/03/2022

Muito boa a reflexão. A ufmt está na contra mão da história. As escolas municipais, estaduais, particulares, a IFMT, etc, já retornaram à salas de aulas a muito tempo, enquanto a ufmt continua com as portas fechadas, formando profissionais para o mercado de trabalho no sistema online . Pergunto, como formar um profissional de educação física, nutricionista, fisioterapia, etc , no sistema online? Como um aluno de engenharia faz topografia, laboratório de micro-organismos, desenho básico no sistema online? E o um absurdo que a UFMT está fazendo com o futuro dos estudantes.

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Yaná Christina Eubank Gomes Cerqueira 19/03/2022

Excelente reflexão André!!!! Comprovante de vacinação, agora? Restringir os direitos dos alunos, professores, servidores? Li a Resolução da UFMT e fiquei perplexa! Eles estão na contramão do mundo.

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Flávia 18/03/2022

Estou chocada com esse absurdo! Discriminação .

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Ana Cláudia Farias 18/03/2022

Muito boa sua reflexão André. É um absurdo essa exigência. Fala sério gente!!! Que mundo estamos? Affffffffff

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André Luis Ribeiro Lacerda 18/03/2022

O Estado de SP flexibilizou o uso de máscara. A Ufmt, infelizmente , está na contra mão da agenda de vários gestores públicos.

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Sânia 18/03/2022

Muito bom!! Parabéns!! Sou vacinada e a favor da vacina, mas contra essa exigência absurda e ilegal de apresentar o comprovante vacinal. Querem nos impedir de trabalhar. Nós que já estamos com o calendário super atrasado e quando muitas universidades já estão de forma presencial, querem colocar mais um empecilho. A UFMT dando um péssimo exemplo para a sociedade que a mantém. E de novo, andando para trás. Na contra mão do que está acontecendo. #contraexigenciadopassaportevacinal

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Tayane 18/03/2022

Excelente Reflexão Andre! Sobre esta exigência discriminatória é um absurdo.

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Olívia Augusta 18/03/2022

Excelente reflexão André! Uma universidade federal que forma as pessoas, que não admite nenhum tipo de censura ou arbitrariedade em seus espaços, usando de total liberdade em suas aulas e ao mesmo tempo faz uso de mecanismos de discriminação e segregação é no mínimo um paradoxo.

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Josimara 18/03/2022

Muito boa reflexão André. Minha opinião é q essa exigência é um absurdo , e deve ser combatida. Cerciamento da liberdade , discriminatória ,etc...

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José 18/03/2022

Ótima reflexão sobre oque estamos vivendo atualmente ????????????????????????

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RODRIGO M. CAMPOS 18/03/2022

Não sou cientista, assim como vários jornalistas/políticos também não são e o tempo todo opinam. Quando se fala em experimento a Mídia enche o peito para falar que é Fake. Tem vídeo do Gustavo Mendes Lima Santos, funcionário da Anvisa que faz parte do grupo que autoriza as vacinas, dizendo que é experimento. Próximo a mim vi pessoas que tiveram sequelas (trombose, problemas neurológico) e que até morreram após tomá-la. Portanto vejo fatos. Respeito quem se vacinou, a discussão não é essa. Agora tornar a vacina condição para que possamos exerçam seus direitos que estão garantidos na Constituição é um absurdo. Estão rasgando as leis do nosso país por meio de Decretos, Portarias, Resoluções, inadmissível. Por muito menos a vacina da dengue foi suspensa. E agora uma histeria causada pelos médicos e mídia por uma doença que mata muito menos que infarto e ninguém nunca fez essa movimentação no passado, tem alguma explicação? Enfim, a família é a base da sociedade e o Estado está querendo acabar com ela, pois a exigência vai destruir empregos e barrar o acesso ao conhecimento.

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Jack 18/03/2022

Plano de dominação em curso. Saúde uma ova. Discurso pra boi dormir, querem saber mais que os maiores cientistas do planeta? Que ensinaram medicina pro mundo? Procurem por Luc Montaignier, por Pierre Kory, Malone, Dra Carrie Madej, Geert Van bossche etc etc etc, parem de idiotizar as pessoas só pq conseguem agradar seu bolso e outras coisas que vc sabe mto bem. Vendidos.

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Mara 18/03/2022

Perfeita colocação. Estão discriminando sem discussão. Só esse órgão esta com essa segregação. E nem tem lei para exigir isso.

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Dulce Lábio 18/03/2022

É um paradoxo, terrivel constatar que a comunidade acadêmica, justamente o local destinado ao processo de "abertura mental" e da liberdade do indivíduo, se torne o reduto da castração dos direitos de cada um.

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