A eleição de Jair Bolsonaro parece ter recriado um ator social, o indivíduo que se autodeclara como sendo de direita. Personagem ausente nas eleições dos últimos vinte anos, os membros desse novo espectro político vêm sendo estudados e, para a intelectualidade de esquerda, um segmento especial tem merecido atenção, o chamado pobre de direita. Certos intelectuais da nossa esquerda chegam mesmo a dizer que “não existe pobre de direita, o que existe é pobre burro”. Será que o pobre tem de ser necessariamente de esquerda? Vamos defender aqui que isso tem a ver com o conceito de classe social.
O campo de pesquisa em comunicação de massa criou otermo apresentação em bloco nos anos de 1960 que explica bem as limitações do conceito de classe social. Nos primórdios da indústria cinematográfica, os filmes costumavam ser alugados pelos produtores aos exibidores em conjunto, por exemplo, em bloco de cinco. O exibidor alugava o bloco, sem poder escolher apenas aquele que desejava. No bloco poderia ter dois filmes que ele desejava e três que não desejava.
Morris Rosenberg dizia que os seres humanos se apresentam “em blocos”. Cada indivíduo pode ser apresentado em termos de certo número de dimensões. Os operários, por exemplo, foram considerados mais alienados que os escriturários. Mas, os operários diferiam dos escriturários em muitas outras dimensões além do tipo de trabalho executado: tendiam a ser menos educados, mais liberais em questões econômicas, e não liberais em questões sociais, enfim. O termo operário, portanto, quer dizer muitas coisas.
Se dizemos que os operários são mais alienados que os escriturários, estamos levando em conta todos os outros fatores que mencionamos, associados ao status social do operário, ou seja, à sua posição social.
Status social do operário diz respeito a sua condição sócio-ocupacional. Classe social do operário diz respeito a sua condição econômica, condição compartilhada por uma série de outras ocupações com situações sociais bem diferentes, mas que estarão juntas no “bloco de ocupações”. Por isso, o conceito de status social é mais preciso do que o de classe social.
Há alguns anos fui ministrar um curso de sociologia do direito em Juína-MT. A proprietária do hotel em que fiquei hospedado disse-me que não entendia porque alguns professores que haviam ficado lá, quando conversavam com ela, recorrentemente diziam que não estavam explorando ninguém. “O senhor pode me explicar o que significa?”, perguntou-me.
o interesse do trabalhador pode coincidir com o interesse do empresário, não estando necessariamente sempre em conflito.
Como eu sabia que os referidos professores eram marxistas, expliquei a ela que a expressão retórica usada por eles tinha relação com o posicionamento político deles. Sendo de esquerda, eles raciocinavam a partir do conceito de classe. Para militantes de esquerda de maneira geral, como para os professores mencionados, a organização da sociedade em classes sociais torna o indivíduo refém da classe a que ele pertence.
A quantidade de classes era variável, mas em geral, na retórica política, costumavam simplificar em duas: a classe dominante, proprietária dos meios de produção, e o proletariado, maioria dos indivíduos que tinham que vender sua força de trabalho. Hoje os modelos de estratificação social desenhado por sociólogos podem definir atécinco ou seis classes sociais.
Na verdade, a identificação da quantidade de classes pode diferir de cidade para cidade, assim como o tamanho de cada classe social.
Para determinar a classe de um indivíduo em geral usam como critério a riqueza e renda, a ocupação e o nível de escolaridade desse indivíduo.
A versão que defende que o indivíduo é refém da classe a que pertence entende que os interesses das classes são irreconciliáveis. Argumento derrubado pelos dados empíricos, pois o interesse do trabalhador pode coincidir com o interesse do empresário, não estando necessariamente sempre em conflito.
Mas, se você raciocina apenas a partir do conceito de classe dos anos 1960, os interesses entre o que eles chamam de classe dominante e a classe trabalhadora são sempre conflituosos.
Se os interesses das classes são irreconciliáveis, o indivíduo pobre com posicionamento político à direita é considerado um indivíduo que não tem consciência de sua classe, pois defende interesses que são opostos aos seus. Ou seja, o pobre, para defender seus interesses, tem que ter posicionamento político à esquerda. O que sugere que a esquerda representa os interesses dos pobres e a direita os interesses dos ricos.
Para os defensores desse conceito de classe, o pobre de direita viveria uma inconsistência entre sua posição social e seus valores políticos.
Nessa equação simplória, o indivíduo pobre com posicionamento político à direita é considerado um indivíduo “burro”, um coitado que sabota seus próprios interesses.
Se o conceito de classe fosse mais preciso, isso poderia ocorrer, mas não é o caso. Dizemos que isso ocorre em relação à posição social enquanto status social. Por exemplo, podemos falar do novo rico, aquele indivíduo que ascendeu socialmente, tem o dinheiro, os recursos econômicos que fundamentam a nova posição social, mas ainda não tem os valores, os requintes, os modelos de ser da nova posição.
Ao sentir-se não acolhido, ele exagera na casa que constrói para mostrar que tem condições de estar ali. Constrói uma casa enorme, com estética de gosto duvidoso para a sua nova condição e então sua posição de status é denunciada, por exemplo, quando promove uma festa. A música que ouve, a maneira como se veste, enfim, estamos diante de uma inconsistência de status, mas não necessariamente de classe.
O sociólogo Daniel Rossides descreveu no final dos anos 1990 a classe trabalhadora nos EUA como consistindo entre 40 e 50% da população. Quem eram eles? Pessoas que tinham um emprego regular braçal ou técnico. Certos membros dessa classe, como os eletricistas, podiam ter renda mais alta do que pessoas da classe baixa, portanto, poderiam se sentir membros de uma classe mais elevada, mas tendiam a se identificar com os trabalhadores braçais. Isso mostra algumas dificuldades quando se usa o conceito de classe apenas em sua dimensão econômica, pois, no sentido sociológico essa dimensão apenas não consegue explicar quem pertence ou não pertence a uma classe. Max Weber criou os conceitos de classe e status que permitem apreender essas diferenças.
Voltando aos professores de Juína, eles sentiam que não pertenciam a classe trabalhadora, viam que seus interesses não coincidiam com os interesses de classe, segundo o conceito que operacionalizavam, ou seja, sentiam-se confusos e, por isso diziam recorrentemente que não estavam explorando ninguém, pois no seu conceito de classe, fundamentalmente uma classe explora a outra.
Nessa equação simplória, o indivíduo pobre com posicionamento político à direita é considerado um indivíduo “burro”, um coitado que sabota seus próprios interesses.
Mas, nem as posições políticas e nem os interesses estão confinados no âmbito de limites definidos pelas ideologias e nem os indivíduos costumam sabotar seus interesses.
*André L. Ribeiro-Lacerda é sociobiólogo e psicólogo.
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