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opinião Sexta-feira, 11 de Fevereiro de 2022, 17:00 - A | A

Sexta-feira, 11 de Fevereiro de 2022, 17h:00 - A | A

OPINIÃO

Indivíduos da classe trabalhadora tendem a descontar mais o futuro?  

*ANDRÉ L. RIBEIRO-LACERDA

 

 

Você já se deparou com essa situação em filmes ou na sua vida pessoal: o indivíduo volta à cidade ou ao bairro em que cresceu e encontra ex-colegas do ensino médio. Os ex-colegas não ascenderam socialmente, não prosseguiram com seus estudos e, portanto, não conseguiram mudar suas vidas. Ao contrário do visitante, que mudou de bairro, estudou e tem uma carreira próspera. Como podemos explicar que indivíduos que estudaram na mesma escola tenham construído trajetórias tão diferentes?            

Em 1953, os sociólogos Louis Scheneider e Sverre Lysgaard publicaram um artigo que prometia responder a essa pergunta. Intitulado um padrão de satisfação adiada o trabalho pretendia explicar por que os indivíduos adiavam as gratificações ou satisfações. Eles davam um exemplo. O menino de classe baixa que, ansioso para traçar seu próprio caminho e escapar da dominação familiar, busca um emprego de tempo integral e, assim, deixa a escola. A liberdade que ele obtém, disseram Schneider e Lysgaard, seria ilusória, pois ele entrará em um ciclo de trabalhos com salários baixo e de pouca promessa.            

Haveria, portanto, uma disposição variável entre indivíduos para adiar as satisfações imediatas a fim de atingir uma meta superior.

Neste tipo de cálculo, qualquer atividade presente é considerada da perspectiva de suas consequências futuras. Joãozinho convida o amigo para ir ao shopping, mas o amigo diz que não pode porque tem que estudar para o Enem, que ocorrerá no final do ano. “Ainda estamos em fevereiro!”, contra-argumenta Joãozinho. “Mas, existe muita coisa a ser estudada”, responde o amigo. Isso representa um adiamento de satisfações. Troca-se o prazer imediato por uma recompensa futura.            

Schneider e Lysgaard e outros sociólogos viram no adiamento de satisfações imediatas um padrão de comportamentomuito presente na classe média.

Seu significado teria, então, uma explicação vinculada ao conceito de classe social. Embora enxergassem o adiamento de satisfações em várias áreas da vida social, os membros da classe média tenderiam a retardar a realização da independência econômica por meio de processo de educação mais elaborado, inclinando-se, portanto, a adiar até mesmo a satisfação sexual, e mostrar uma disposição relativamente marcada para economizar dinheiro e recursos afins. Ao contrário dos jovens da classe trabalhadora, que teriam uma propensão a se satisfazer consideravelmente em relações pré-maritais. Alfred Kinseycoletou dados nesse sentido em suas pesquisas sobre o comportamento sexual do estadunidense. Estamos falando dos anos de 1950/1960.            

Muitas pessoas preferem uma recompensa menor agora a uma grande recompensa no próximo ano, e geralmente valorizam menos as opções no futuro

Em 1965, o sociólogo Francis Caro fez um estudo comparando estudantes de ensino médio das classes trabalhadora e média para saber como eles avaliavam seu futuro após a escola no ensino médio. Entre outras coisas, Caro queria identificar quais eram as crenças desses alunos sobre as prováveis implicações ocupacionais de atividades alternativas depois do ensino médio.

O resultado mostrou que os estudantes da classe média tendiam a avaliar a universidade como sua atividade pós ensino médio preferida. A entrada na universidade exigiria adiamento de satisfações para uma maior proporção de trabalhadores do que de estudantes da classe média, mas as possíveis diferenças na vontade de adiar satisfações eram irrelevantes como uma explicação das diferenças de classe nas taxas de comparecimento à faculdade.

Se você pesquisar o conceito de adiamento de satisfações, verá que ele ficou preso nos anos 1960 na literatura sociológica. Ele sofreu remodelagens na psicologia social e hoje proporciona uma agenda de pesquisa. O termo, que já era usado de maneira intercambiável por Schneider, Lysgaard e outros, agora é desconto do futuro.            

Muitas pessoas preferem uma recompensa menor agora a uma grande recompensa no próximo ano, e geralmente valorizam menos as opções no futuro, mesmo quando essas opções são mais rentáveis do que as opções no presente. Esse fenômeno é chamado de “desconto temporal” e quanto mais distante da opção futura, mais tende a ser descontado.            

Na sociologia esse conceito estava praticamente limitado aos jovens.

Na psicologia social ele tornou-se um conceito mais geral.

Qualquer indivíduo pode descontar seu futuro. Joaozinho, você prefere receber quinhentos reais agora ou oitocentos em maio? Indivíduos “descontam” o futuro quando valorizam bens próximos a bens futuros.

Daly e Wilson têm um artigo em que perguntam: mulheres bonitas inspiram homens a “descontar” o futuro? A hipótese por trás da pergunta defende que homens se inclinam a “descontar” o futuro para ter acesso às mulheres jovens e bonitas.

Você já deve ter visto mulheres jovens e bonitas com homens endinheirados. E, com as mudanças que têm ocorrido, tem visto também mulheres poderosas com homens mais jovens e bonitos. Portanto, uma hipótese a ser verificada é:  mulheres e homens bonitos levam homens e mulheres a “descontar” o futuro?            

Indivíduos da classe trabalhadora tendem a descontar mais o futuro? A resposta é não.

A psicologia social tem mostrado que as variáveis que ajudam a explicar por que alguns indivíduos “descontam” mais o futuro que outros são muitas: entre elas, o sexo, os homens tendem a descontar mais que as mulheres, a personalidade, a religiosidade, e, em certa medida, o status socioeconômico.  

*André L. Ribeiro-Lacerda – Sociobiólogo e psicólogo.

 *Os artigos são de responsabilidade seus autores e não representam a opinião do Mídia Hoje.

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