Segurar as lágrimas diante dos efeitos da estiagem e da degradação ambiental em alguns pontos do rio Araguaia, um dos mais famosos do Centro-Oeste, tem sido tarefa difícil para pescadores e ribeirinhos que enfrentam uma das piores secas de todos os tempos.
Áreas inteiras de canais longos e largos, comumente tomadas pela água e repletas de peixe, estão na terra fofa e na poeira, algo inédito, segundo a população local. Na região da Viúva, em Nova Crixás (GO), pessoas chegam a passar de carro por um dos canais do Araguaia, onde, até há pouco tempo, corria o leito do rio e só era possível sair de canoa ou barco.

Espaço antes ocupado por água, na região da Viúva, em Nova Crixás (GO), virou um estradão de terra fofa, sem sinal de águaVinícius Schmidt/Metrópoles

Canal do Araguaia secou totalmente, em Nova Crixás, e desespera ribeirinhos que dizem nunca terem visto algo parecidoVinícius Schmidt/Metrópoles

O extremo atingido pela seca no Araguaia neste ano é o retrato da combinação fatal entre desmatamento, assoreamento, degradação de nascentes, uso irregular da água e o consequente desequilíbrio ambiental. Essas causas são velhas conhecidas de moradores da região, empresário do agronegócio e do poder público. Revertê-las, no entanto, é o que já parece impossível.
Para o delegado de Meio Ambiente da Polícia Civill de Goiás (PCGO), Luziano de Carvalho, que já desenvolveu projetos de recuperação de nascentes e contenção de voçorocas ao longo do rio, o Araguaia atingiu um ponto de desequilíbrio, entre o que existe de demanda e ação depredatória e o que o rio tem para oferecer.
“Penso nos meus netos”
De frente para o canal totalmente seco, na região da Viúva, o aposentado Vanderlino Caetano Lopes, de 67 anos, não contém o choro. A afetividade que ele construiu com o rio ao longo de 50 anos de viagens, pescarias e, agora, como morador da região, expressa-se, naturalmente, diante da imagem que se formou com o sumiço da água.
O tempo é o que permite a comparação, aos olhos dos mais velhos, e, também, é o que acelera a preocupação de todos, independentemente da idade. Imaginar como estará o rio que atrai turistas de todo o Brasil durante a alta temporada, no próximo ano ou ao final da próxima década, é inevitável. E o cenário não se mostra positivo.
Afluentes cada vez mais secos
A reportagem do Metrópoles foi até o Araguaia na quarta-feira (22/9). No trajeto entre Goiânia e Nova Crixás, já era possível perceber os efeitos da seca e da degradação que seriam encontrados no destino final. Eles se mostraram mais graves e nítidos, à medida que se aproximava da região.
Córregos e rios menores, afluentes ou que desaguam no Araguaia, estão secando. Geralmente, nesta época, eles sucumbem à estiagem e ao forte calor, e tendem a reduzir a quantidade de água. Moradores locais, no entanto, relatam uma severidade maior do problema em 2021.
Alguns desses rios, conforme o verificado pela reportagem do alto das pontes na estrada, estão com o leito totalmente interrompido, sem terem para onde correr. O nível da água reduziu tanto que os bancos de areia bloqueiam o curso d’água.
Um dos pontos vistos foi no rio Isabel da Paz, no município de Araguapaz, que fica próximo a Aruanã (uma das principais cidades turísticas do Vale do Araguaia). Do alto da ponte, via-se um pneu jogado na margem do rio e um jacaré boiando solitário no que, agora, mais parece um poço, devido à paralisação da água.
Região seca e quente
O Araguaia contorna a divisa oeste de Goiás. Ele passa, justamente, por uma das regiões mais quentes e secas do estado, além de ser uma área onde o agronegócio avança, com demanda crescente de água para irrigação, registros de desmatamento e usos variados da água nos afluentes do rio.
Os recordes de temperatura no estado, nos últimos dias, vêm de cidades que compõem o Vale do Araguaia. Uma delas é Aragarças, município por onde o rio passa e que faz divisa com Barra do Garças (MT). O município chegou a registrar mais de 42ºC na última semana, e está entre as cinco mais quentes do Brasil, conforme o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet).
Irrigação e avanço da agricultura
Em anos recentes, a concentração de pivôs centrais aumentou no chamado Médio Araguaia, em Goiás, o que é um reflexo direto da expansão da fronteira agrícola. Composta em muito por grandes propriedades rurais e com fazendas que chegam a ter mais de 200 alqueires, a região é hoje a segunda do estado em maior quantidade de pivôs.
A cidade de Jussara, no oeste goiano, em 2013, era a sétima de Goiás que mais possuía equipamentos de irrigação instalados, conforme dados do Instituto Mauro Borges de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (IMB), vinculado ao governo estadual.
Dois anos depois, em 2015, conforme o monitoramento feito pelos técnicos do instituto, Jussara já era a segunda colocada em quantidade de pivôs, perdendo apenas para Cristalina, no leste de Goiás e onde fica uma das maiores concentrações de pivôs da América Latina.
Até 2017, Jussara já tinha 119 pivôs em funcionamento e mantinha-se em segundo lugar no ranking estadual. Em 2016, foi no território do município que a fiscalização ambiental descobriu o caso de um latifundiário que construiu um canal de 8 km de extensão para retirar água, ilegalmente, direto do leito do Araguaia. Ele chegava a captar até 11 mil metros cúbicos por hora.

Trecho do rio Isabel Paz, em Araguapaz, no caminho para Nova Crixás, cujo leito foi interrompido pela secaVinícius Schmidt/Metrópoles

Formação de banco de areia, no rio AraguaiaVinícius Schmidt/Metrópoles

Drenagem e desmatamento de nascentes
A situação no Médio Araguaia é considerada a mais grave pelo delegado de Meio Ambiente da PCGO, Luziano de Carvalho. O avanço das áreas de plantação e de pastagens, segundo ele, ocorre muitas vezes em detrimento de áreas que deveriam ser preservadas, como nascentes e lagos naturais, que mantêm o lençol freático do Araguaia em equilíbrio.
“Estamos em desequilíbrio, principalmente no Vale do Araguaia. Estamos com sérios problemas em lagos naturais, uma verdadeira tragédia. E eles estão ocorrendo numa velocidade impressionante. São casos de pessoas usando drenos nessas lagoas e em áreas brejosas, que são reservatórios de água, para secá-las e expandir pastagens e plantações. Isso é um suicídio ecológico. Se secam essas áreas, seca tudo”, diz ele.
Para o delegado, não existe hoje água disponível nos afluentes e no próprio rio que consiga corresponder ao tamanho da demanda. “Quero uma prova que me convença de que pode-se fazer captação de água no Araguaia, nos mananciais, nos afluentes e lagos naturais. Temos água para isso? É suficiente? Não temos”, afirma.


O rio Araguaia é um dos mais piscosos do mundo, ou seja, favorável para a pescaVinícius Schmidt/Metrópoles

Fauna do Araguaia é rica em espécies de avesVinícius Schmidt/Metrópoles

“Vai se tornar intermitente”
O crime contra as nascentes e em áreas de preservação no entorno dos rios é algo que Luziano denuncia há décadas. O desmatamento desses pontos é uma espécie de condenação com efeito em curto prazo, e uma das consequências diretas disso é o assoreamento do rio.
Sem vegetação nas margens, os barrancos ficam cada vez mais frágeis, os desmoronamentos ocorrem com mais frequência, mais areia é levada para dentro do rio, que fica cada vez mais largo e, por consequência, menos profundo. Esse é um ciclo que se vê acontecendo há décadas no Araguaia.
“Se continuar assim, o rio vai se tornar intermitente”, prevê Luziano. Hoje, já é possível atravessá-lo de um lado para o outro sem utilizar embarcações, até porque os bancos de areia e a pouca profundidade inviabilizam a circulação de canoas em muitos trechos. Só quem conhece bem o rio consegue trafegar.”

Adriano Alves da Silva, de 44 anos, diz que nunca viu o rio como ele está hojeVinícius Schmidt/Metrópoles

"É a revolta da natureza", diz ele, enquanto tirava areia do rio para facilitar saída de canoasVinícius Schmidt/Metrópoles

“É a revolta da natureza”
Na quarta-feira (22), quando a reportagem do Metrópoles chegou a uma das praias que se formou com a redução do nível de água do Araguaia, em Nova Crixás, um homem tentava construir um porto provisório, retirando areia de dentro do rio para, com isso, facilitar a saída de embarcações de pescadores. “É só Deus para nos salvar disso aqui”, dizia ele ao colega que o ajudava.
Adriano Alves da Silva, de 44 anos, é um ribeirinho, morador da cidade e que há 20 anos frequenta e trabalha nas margens do rio. Ele diz nunca ter visto a situação chegar ao ponto em que se encontra hoje. “Piora a cada ano. Esse canal aqui (aponta ele para o canal totalmente seco na região da Viúva), nessa época, eu passava nele, há uns anos, com água no peito. Agora, veja como está”, lamenta.
“É a revolta da natureza. E todo mundo sabe disso. O que o homem destruiu, jamais ele vai reconstruir novamente”, resume Adriano.
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