A biomédica e neurocientista brasileira Telma Abrahão ficou conhecida nos últimos anos no nicho da educação parental por aplicar conhecimentos de neurociência nos ensinamentos sobre criação de filhos. Recentemente ela mergulhou numa faceta importante dessa questão: as reações do organismo, tanto dos pais como dos filhos, ao estresse.
Em tempos de corrida e acúmulo de tarefas, ambientes domésticos em que há um esgotamento mental não são raros, afinal. "O esgotamento parental é quando o cuidador primário chega ao ponto de não conseguir mais cuidar do próprio filho, que está sob responsabilidade dele. Porque ele esgotou todos os seus recursos, não só físico, mas emocional também."
Na nova edição de seu best-seller Educar é um ato de amor, mas também de ciência, lançado na segunda quinzena de março, Abrahão apareceu esmiuçar justamente as respostas ao estresse. Para ela, a partir dessa compreensão, é possível romper os ciclos de dor e promover ambientes emocionalmente saudáveis para a criação dos filhos.
O especialista identifica três tipos de estresse na vida da criança: o positivo, o tolerável e o tóxico. Este último precisa ser evitado a todo custo, pois acarretaria "consequências dolorosas na vida", já que "o nosso cérebro não foi feito para viver com medo".

Nesta nova edição do livro, a senhora incluiu de forma mais contundente o impacto do estresse na criação dos filhos. Considerando que o estresse é um grande problema da vida contemporânea cheia de atribuições, de que maneira equilibrar essa biologia do apego às necessidades de trabalho e demais tarefas?
Telma Abrahão: A vida adulta nos leva a ter muitas responsabilidades, principalmente quando a gente se torna pai ou mãe. Temos responsabilidades com a casa, com a alimentação, com a educação dos filhos e também com a demanda profissional, né? Claro que todas essas responsabilidades acabam, sim, gerando estresse.
Porém quando a gente decide ter um filho, resolve se tornar pai ou mãe, a gente tem de olhar para todas as necessidades, não somente físicas, de se alimentar e de ser cuidada, mas principalmente suas necessidades emocionais. Porque a gente nasce com um cérebro imaturo. Então, a criança precisa se sentir segura, pertencente, vista. Ela precisa daquele adulto para sobreviver.
A segurança emocional vem do relacionamento, do olhar, do toque, do dia a dia. Os pais precisam priorizar estar com seus filhos todos os dias, seja acordando mais cedo, seja no momento em que chega do trabalho ou na hora da refeição. Não é porque o pai e a mãe estão ocupados ou estressados que a criança vai deixar de precisar daquele adulto.
Como a gente pode lidar com essa sobrecarga? Se autocuidando, buscando cuidar da saúde mental, fazendo exercício físico, tendo rotina, ficando menos tempo no celular, dormindo mais cedo, separando tempo na agenda para os compromissos pessoais. E, esses compromissos pessoais, separando um tempo para o filho, para sair do celular.
Hoje se perde muito tempo no celular. Se você pegar 40 minutos do seu dia, 40 minutos que fica no celular e nas redes sociais, e usar para dar atenção aos filhos, o caos familiar vai começar a diminuir. Porque a criança vai se sentir amada. E aí vai se comportar melhor, vai colaborar mais. E isso diminui também o estresse da mãe e do pai. É um ciclo positivo de afeto, de atenção, de segurança.
Mas dá para acertar a rota? Ou seja: um bebê ou uma criança que não foi cuidada de maneira adequada nos primeiros anos de vida, como pode ter sua criação ressignificada quando um pouco mais velho?
Os primeiros três anos de vida, o que a gente chama de primeira infância, são uma fase crucial para o bom desenvolvimento do cérebro humano. É uma época em que a gente está construindo, fazendo milhares de sinapses. É um número tão alto de sinapses e conexões de neurônios que nunca mais na vida a gente vai ter uma quantidade tão grande como nesse início da vida.
O que acontece nessa fase se torna a base do adulto que será, a base dos nossos padrões comportamentais, da forma como a gente se relaciona com a gente e com o mundo. Graças à neuroplasticidade do cérebro, podemos, sim, mudar nossos padrões ao longo da vida. Podemos, sim, aprender novas formas de olhar para a gente, para o mundo e se relacionar com o outro.
Claro que os pais também poderão ajustar a rotação. Mas é importante entender que isso não acontece do dia para a noite. É um processo. Aquela criança que foi negligenciada, que sofreu abusos emocionais, ela pode ter um vínculo inseguro, um apego inseguro com seu pai e sua mãe. Isso é demonstrado na forma de comportamentos, dificuldades de aprendizagem e de socialização e outros desafios que surgem ao longo do caminho.
Por isso que é tão importante que os pais se reeducarem para melhor educar. Claro que quanto antes os pais começarão essa jornada de reconstruir a relação, melhor. Porque depois essa criança cresce, vira adolescente, sai de casa e as prioridades são outras. E esse relacionamento realmente pode se tornar mais distante e mais desafiador de ser recuperado.
Mas, sim, é possível corrigir a rota desde que esses pais busquem olhar para o próprio comportamento e passem a enxergar esse filho, validando suas emoções e deixando-o também falar, ouvindo quem ele é e o que ele pensa, o que ele sente. Essa relação de confiança, de conexão, de afeto e segurança, ela pode ser reconstruída ao longo da infância e da adolescência.
E não é o caso dos adultos que percebem seus traumas como consequência dessa carência de afeto na infância? Como desinflacionar essa angústia?
Muitos dos problemas, desafios comportamentais e de relacionamentos e até de saúde física, mental e emocional da vida adulta trazem os comentários das experiências diversas da infância. E muitos adultos acabam percebendo isso por repetição de ciclos negativos, de relacionamentos tóxicos, e acabam buscando terapia, buscando autoconhecimento e começando a perceber que estão, muitas vezes, repetindo um padrão aprendido, refletindo seus medos e suas dores emocionais da infância ali em sua relação na vida adulta.
Então, o processo de você tomar consciência de como o que aconteceu ainda o impacta é o primeiro passo para a mudança. Porque quando eu tomo a consciência de que é algo que eu tenho, como adulto eu posso mudar.
Como criança, a gente é vítima. Como adulto, é nossa responsabilidade buscar novas formas de agir, aprender a usar a razão para lidar com a emoção, ver as consequências de nossas atitudes e escolher moldar novos padrões para poder ciclos de dor e construir relações emocionais saudáveis a partir de agora. A tomada de consciência e o autoconhecimento são essenciais nessa jornada.
Logo no início do seu livro, a senhora ressalta que a obra não traz receita milagrosa nem dicas. De que forma essa busca por soluções milagrosas se tornou uma ânsia de pais contemporâneos? Isso afeta também os bebês, à medida que estes percebem uma insegurança dos pais?
Muitos pais querem uma dica que vá resolver todos os desafios deles com os filhos, isso é verdade. Porém não é isso que vai tirar as famílias do caos. É justamente entender a origem do comportamento infantil, por que uma criança faz o que faz, por que ela age como ela age.
Muitos acreditam que uma criança faz birra, se comporta mal de propósito porque quer atacar o pai, porque está testando os limites. E não é isso.
Quando a gente começa a entender o desenvolvimento infantil, entende que uma criança não consegue lidar com emoções, com o impulso, tem dificuldade de raciocínio lógico. Toda a compreensão vai fazer com os pais se tornarem mais empáticos, mais amorosos com seus filhos.
Então, por isso, dica não é positiva na criação dos filhos, mas sim conhecimento. Porque o conhecimento sobre o desenvolvimento infantil vai fazer esses pais se tornarem emocionalmente saudáveis, conseguirem colocar limites respeitosos, de acordo com as fases do desenvolvimento daquela criança.
Então, sim, essa expectativa em relação ao comportamento de um filho pequeno é de um comportamento que muitas vezes a criança não pode ter. E isso impacta as qualidades do bebê, a criança. Porque ela não está sendo vista, cuidada como deveria, protegida como deveria, guiada como deveria. Essa falta de conhecimento muitas vezes é a raiz da violência na infância. Por isso é importante que os pais busquem conhecimento para se tornarem seguros na hora de agir e tomar decisões na educação de seus filhos.
Essa responsabilidade muitas vezes gera um estresse grande nos pais. A senhora apresenta o conceito do esgotamento parental. O que é isso?
O esgotamento parental é quando o cuidador primário chega ao ponto de não conseguir mais cuidar do próprio filho, aquela criança que está sob responsabilidade dele. Porque ele esgotou todos os seus recursos não só físicos, mas também emocionais. É quando essa pessoa chega ao ponto do "meu Deus, eu não quero mais levantar dessa cama, não tenho forças para levantar, cuidar, cozinhar".
Então a pessoa perde a paciência e, nesse momento, é perigosa porque se torna uma ameaça para o filho, pode se tornar agressiva, violenta. O cérebro está impactado por um grande estresse e isso diminui a capacidade cognitiva, diminui a capacidade do pai ou da mãe de lidar com as próprias emoções e o controle do impulso que pode gerar agressividade e violência.
É importante que os pais e as mães pratiquem autocuidado, descansem sempre que possível, peçam ajuda sempre que possível, busquem uma rede de apoio para poderem voltar para seu estado natural de um cuidador saudável. Com certeza isso impacta profundamente não só a educação, a criação do vínculo com os filhos, mas o ambiente familiar de um modo geral.
No livro, a senhora diz que há três tipos de estresse. Como identificá-los?
Durante a infância, existem três tipos de estresse: o positivo, o tolerável e o tóxico. O positivo é tipo quando uma criança vai para a aula de natação pela primeira vez. Ela está com medo, está assustada porque é a primeira vez, vai começar a chorar, mas o pai e a mãe estão ali, dando apoio emocional. É um estresse positivo, porque está ensinando a criança, está desenvolvendo habilidades, resiliências. E com o apoio de um cuidador. Esse estresse é positivo e faz parte da vida, vamos viver isso muitas vezes ao longo da vida.
Quando o estresse é, por exemplo, uma criança que está indo pela primeira vez na escolinha, isso pode deixá-la com muito medo. É um lugar novo, longe do pai e da mãe. Ela não conhece aqueles adultos. É um estresse maior, mas tolerável, já que ela se sente reforçada pela mãe e pelo pai.
O estresse se torna tóxico quando essa criança passa por repetidos problemas sem o apoio do cuidador adulto. Por exemplo uma casa onde tudo o que a criança faz, tudo o que acontece, que ela erra, tudo que ela comete fora da expectativa do pai e da mãe, ela apanha, fica de castigo. É educado na base do medo.
E de que forma o estresse tóxico prejudica o desenvolvimento da criança?
Essa forma de educação coloca o sistema nervoso da criança em constante estado de alerta, aumenta os níveis de hormônios do estresse, impactando níveis de comportamento e a saúde da criança.
O cuidador adulto se torna uma ameaça, fonte de medo e de terror. Aí o estresse se torna tóxico, principalmente quando existe uma reprodução ao longo de toda a infância. E isso acontece com muitas crianças, que são educadas na base do medo e não têm pai e na mãe figuras que assustam, que as deixam em pânico.
Todo esse estresse tem consequências na vida dessa pessoa, que mais tarde pode desenvolver comportamentos de risco, buscando álcool e drogas para poder se autorregular e lidar com essa hiperativação do sistema nervoso. O nosso cérebro não foi feito para viver com medo. Esse sistema foi feito para nos proteger a vida, é para esses momentos de risco à vida que nosso sistema de segurança deve ser ativado.
Se uma criança vive com medo numa casa onde ela deve ser cuidada, mas na verdade está sendo ameaçada, castigada e punida, isso é um problema que traz consequências para a saúde física, mental e emocional do ser humano.
*Via DW
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