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cidades Sábado, 14 de Setembro de 2019, 07:52 - A | A

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RECOMEÇO

Casa do Migrante acolhe famílias e, sobretudo, sonhos

Ana Luíza Anache
Cuiabá

“Para o migrante, Pátria é a terra que lhe dá o pão”. A frase é de Dom João Batista Scalabrini, um bispo da Igreja Católica na cidade de Piacenza (Itália), e está estampada ao lado da porta de entrada do Centro de Pastoral para Migrantes de Cuiabá, conhecido como Casa do Migrante. O local, recebe pessoas de diversas nacionalidades em busca de auxílio para construir uma nova vida. São homens, mulheres e crianças que fugiram de guerras, terremotos, crises políticas e econômicas. Famílias inteiras que escolheram Cuiabá para recomeçar, cheias de esperança de um futuro melhor.

A venezuelana Jenesis Peralta, de 25 anos, está na Casa do Migrante há um mês, com o marido e três filhos. “Estou precisando de um emprego, de creche e escola para meus filhos. Isso é o principal, porque com meus filhos estudando posso trabalhar e assim ajudar minha família. Meu esposo começou a trabalhar hoje em um curtume, terá um bom salário, benefícios, mas se eu trabalhar também será uma ajuda a mais. Mandamos dinheiro para fora, pouco, de R$ 40 a R$ 50, mas para lá isso é muito, ajuda a comprar comida”, relatou. 

Ela conta que chegou a ir para as ruas da capital mato-grossense como os filhos de 11 meses, seis e oito anos, em busca de ajuda financeira, mas que deixou de fazê-lo após ser advertida por violar o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Segundo a coordenadora do Centro de Pastoral para Migrantes, Eliana Vitaliano, os estrangeiros são orientados a todo momento para que não exponham as crianças aos riscos das vias públicas, ao sol escaldante e à baixa umidade do ar. Entretanto, como há muitas famílias que não vivem na unidade, foi necessária uma intervenção mais direta do poder público. 

O Ministério Público do Estado de Mato Grosso (MPMT) tomou a iniciativa de convocar parceiros para promover uma ação emergencial de abordagem social às famílias venezuelanas com crianças pelas ruas de Cuiabá. O trabalho de orientação teve início na semana passada e já resultou na visível diminuição da quantidade de crianças nas ruas. Dezenas de famílias foram interpeladas e receberam cópias dos principais artigos do ECA. 

Jenifer Spinosa, venezuelana de 30 anos, está com os três filhos há três semanas na Pastoral. Ao ser questionada se já foi para as ruas da capital com eles, negou prontamente. “Não fui com minhas crianças, mas sim em busca de trabalho. Não posso pegar meus filhos e levar para a rua, para que tenham pena de nós. Não vim para o Brasil para isso”, garantiu. 

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Segundo a mãe de crianças de 10, nove e quatro anos, ela decidiu sair do país em crise para buscar uma melhor condição financeira. “Busco em Cuiabá estabilidade econômica, um bom trabalho, e escola para meus filhos. Quero poder ajudar minha família que está na Venezuela, trazer minha mãe para cá, poder alugar uma casa, pagar minas contas e comida. Aqui na Casa do Migrante nos ajudam, mas não podemos ficar para sempre”, informou. 

Eliana Vitaliano conta que o Centro de Pastoral para Migrantes foi fundado em 1980 e, até hoje, recebeu mais de 211 mil pessoas. O fluxo aumentou consideravelmente a partir de 2012, com a chegada dos primeiros haitianos, que fugiam da crise instalada no país caribenho após um terremoto catastrófico e viam em Cuiabá - uma das sedes da Copa do Mundo 2014 - oportunidade de uma vida melhor. “Aumentamos a capacidade da casa de 70 para 100 pessoas e, nessa época, atendíamos até 180 pessoas”, contou. 

Segundo a coordenadora, o fluxo de haitianos continua, mas em menor escala. “De 2012 a 2018, com a chegada dos venezuelanos, o número maior de atendimento é dessa nacionalidade. Mas temos também haitianos, colombinos e cubanos. Temos, inclusive, crianças que já nasceram aqui”, revelou, se referindo ao bebê de 45 dias que é filho da haitiana Joane Leveil, abrigada no local. Ela veio para o Brasil grávida, sozinha, em busca de melhores condições de vida e de trabalho. Tem mais dois filhos no Haiti e sonha em reunir a família novamente. 

Quem também está bastante grata pelo amparo que recebe na Casa do Migrante é a venezuelana Jenesis. “Aqui temos acolhida, três refeições por dia, leite e fralda para nossas crianças, as pessoas nos ajudam a regularizar o documento, conseguir emprego, estou muito agradecida. Não pretendo voltar para a Venezuela agora, posso pensar nisso somente quando meu país tiver uma melhor condição. Por enquanto quero ficar em Cuiabá, onde a saúde é boa. Sou diabética e preciso tomar insulina três vezes ao dia, além de ter uma boa alimentação. Na Venezuela não tenho isso”, afirmou. 

Vida além da Pastoral - Na semana passada, um jovem venezuelano que foi abordado durante a ação emergencial acompanhado de uma criança no trevo do bairro Santa Rosa também relatou a busca por ajuda “Ninguém está na rua porque quer, estamos por necessidade, precisamos de verdade, queremos que o Brasil nos dê abrigo. Fico na rua pedindo esmola e, graças a Deus, nos ajudam. Juntamos de dois e dois reais para pagar aluguel, luz e água. Não acho legal trazer as crianças, elas precisam estudar para ser alguém na vida, mas estamos em crise precisamos de compreensão”, argumentou.

Segundo o adolescente, ele recebe de R$ 40 a R$ 50 por diária fazendo mudança, capinando ou pintando. Nas ruas, arrecada de R$ 60 a R$ 80 por dia durante a semana, e de R$ 90 a R$ 100 às sextas-feiras. Ele não está na Casa do Migrante e foi advertido sobre a lei brasileira de proteção integral da criança e do adolescente. Estima-se que existam cerca de 700 venezuelanos regulados pelo programa de interiorização do Governo Federal em Cuiabá, e uma demanda espontânea e informal superior a isso. 

Como ajudar - De acordo com o padre Pedro Freitas Rodrigues, diretor do Centro de Pastoral para Migrantes, a demanda é grande e o trabalho constante. “A procura é maior a cada dia porque as pessoas são bem atendidas aqui, acolhidas. Agora nosso grande desafio é com relação às crianças porque cada vez mais chegam novas famílias”, pontuou. A coordenadora Eliana Vitaliano explicou que a casa trabalha constantemente no limite da capacidade. Atualmente atende 94 pessoas, sendo 50 homens, 26 mulheres e 18 crianças. O limite é de 100 leitos. 

“Há 15 dias estávamos com 120 pessoas, sendo muitas crianças. O movimento é constante e a casa, a princípio, é para dar acolhida e três refeições diárias. Com a colaboração de parceiros, temos conseguido leite para as crianças. Mas estamos sempre precisando de tudo. Primeiro, alimentação, que é o básico. Temos parceria com o Município, a Secretaria Municipal de Assistência Social e Desenvolvimento Humano (SMASDH) custeia 40% da alimentação, e a população tem contribuído bastante também”, mencionou. 

Contudo, conforme Eliana Vitaliano, o tempo de permanência na Pastoral é de 45 dias a princípio. “Julgamos que nesse período a pessoa já chegou, se organizou, regularizou o documento e conseguiu trabalho. Mas isso é o ideal e não o que acontece, pois varia muito de acordo com a época, se tem trabalho ou não. Esse prazo de permanência é inclusive flexibilizado para casos especiais como de gestante ou doentes”, revelou. 

A coordenadora assevera que, quando saem da Pastoral, os imigrantes precisam montar suas casas, então toda e qualquer ajuda são bem-vindas. “Colchão, móveis usados, eletrodomésticos usados, prato, tudo. Porque eles precisam montar a casa”, assinalou. 

Eixos - O Centro de Pastoral para Migrantes possui oito funcionários além de voluntários que atuam em três eixos: 1) acolhida e documentação; 2) trabalho, orientação e capacitação;  3) educação. Para conseguir cumprir com a demanda, a instituição firmou parcerias com a Superintendência Regional do Trabalho e Emprego (SRTE) e com a Organização Internacional do Trabalho (OIT). “O imigrante que chega quer trabalhar, tem urgência de mandar o recurso para a família. Ele mudou porque é uma necessidade extrema, no caso da Venezuela, em razão da crise da econômica. Quem ficou está com fome, está doente, e precisa desse recurso”, informou Eliana. 

A auditora fiscal do trabalho aposentada Marilete Mulinari Girardi presta serviços na pastoral desde 2012, estando como voluntária há dois meses. “Damos orientação para que conheçam um pouco da nossa legislação trabalhista e saibam quais seus direitos e obrigações. Desde que comecei a trabalhar com o imigrante, fui me apaixonando pelo trabalho ao ver a necessidade que eles têm, a dificuldade que é chegar com a roupa do corpo e uma malinha em busca de uma nova vida. E essa nova vida depende mesmo é do trabalho, para que consigam se organizar. Porque na casa do migrante eles podem ficar uns dias, mas depois precisam ter um trabalho para se sustentar. Eles precisam recomeçar a vida e somente por meio do trabalho é que vão conseguir”, destacou.

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